Publicada em: 23 de junho de 2020.
O que se temia, foi alertado, exposto em dados e
ganha, infelizmente, a dimensão esperada. Dezenas de milhares de empresas,
principalmente de micro e pequeno porte, fecharão suas portas definitivamente.
“Mesmo findo os perÃodos de quarentena, teremos ainda longo perÃodo de
recessão. Além da retração dos consumidores, despesas com funcionários,
estoques comprados e não vendidos, fato do prÃncipe (decretos obrigando suspensão
de atividades empresariais), estas empresas, com poucas exceções, não têm
reservas financeiras para longos perÃodos de inatividade ou recessão, não têm
acesso a financiamentos. Podem até reduzir drasticamente seus custos a, com
muito esforço, menos de 20% dos tempos normaisâ€, analisa Percival Maricato,
empresário, professor de pós-graduação, advogado sócio fundador do Maricato
Advogados Associados.
Se perceber que não sobreviverá, o empresário deve
pensar em como fechar as portas de forma gradual e organizada, evitando ter
como herança problemas futuros e relação a reclamações trabalhistas, execuções
fiscais, inquéritos ou processo de falência com investigação sobre paradeiro do
patrimônio da empresa, acusações de conduta irresponsável, processos penais de
sonegação, a desconsideração da pessoa jurÃdica nas cobranças, impedimento de
abrir ou se associar a novos negócios ou mesmo ocupar um bom emprego por longos
anos e tantos outros comuns para quem fecha apenas de fato e procura fingir-se
de morto.
De acordo com Percival Maricato, se as dificuldades
já são tantas que fazem prever o encerramento das atividades, talvez seja o
caso de aproveitar as energias fÃsicas e psÃquicas e as reservas financeiras,
quem sabe a venda de estoques, marca e bens intangÃveis, reunir créditos
ainda possÃveis, para ir, cortando custos e reduzindo passivos, devolvendo
equipamentos, desligando e indenizando funcionários, liquidando dÃvidas,
gradualmente, extinguindo ou reduzindo obrigações até onde for possÃvel.
Pontos centrais de atenção para encerramento de
empresas:
1. DÃvidas trabalhistas
A liquidação das obrigações trabalhistas é
prioritária. E não só pela questão humanitária e reciprocidade, como por ser a
Justiça do Trabalho mais eficiente e de maior resiliência em condenar a
empresa, executar créditos dos reclamantes e decretar com mais facilidade a
desconsideração da pessoa jurÃdica. Condenada a empresa, se esta não tiver
condições de pagar, seus sócios terão sua vida e declarações de renda dos
últimos cinco anos vasculhadas, na busca de bens que satisfaçam as condenações
(bens de algum valor, contas em banco, veÃculos, imóveis, ações, créditos,
doações ou vendas no perÃodo pré-insolvência etc.). Não é difÃcil obter-se em outras
áreas da justiça a chamada prescrição intercorrente (extinção da ação por ficar
mais de cinco anos arquivada, sem atividade do credor), o que não costuma ser
admitido na Justiça do Trabalho. Ou seja, a busca por bens durará muitos e
muitos anos. Melhor, pois, ir liquidando gradualmente essas obrigações, fazendo
acordos, parcelando pagamentos, procurando homologá-los na Justiça do Trabalho
sempre que viável.
Importante que, mesmo se fechada a empresa, mesmo
que o empresário sinta já não dispor de nada mais com que responder pela dÃvida
da reclamação (vale para qualquer outra cobrança ajuizada), ele deve evitar a
revelia ou seja, deve se defender em juÃzo, para reduzir o valor da possÃvel
condenação tanto quanto for possÃvel. Como dito, ele pode ficar mais que década
sendo cobrado insistentemente e quanto mais elevado o valor, mais o credor
insistirá em receber. Por outro lado, nunca se sabe se o empresário não
conseguirá se reabilitar no mercado e voltar a ter condições de abrir ou voltar
a ser sócio de uma outra empresa, ou poderá acontecer dele receber herança. E
então, deixando correr as cobranças sem se defender, poderá ser cobrado por
valores vultosos, até delirantes.
Outra consequência será o registro dessas
reclamações (tanto como demais ações de cobrança) nos distribuidores de ações
de cada área da justiça (trabalhista, estadual, federal), dos serviços de
proteção ao crédito, tolhendo financiamentos, cheques especiais e cartões de
crédito, a possibilidade de acesso a determinados empregos, dificultando o
exercÃcio de profissão, por muitos anos, até mais de década.
2. Defesa contra cobranças de
fornecedores, prestadores de serviço e do fisco
Com fornecedores e prestadores de serviço, deve-se
ir aos poucos cortando despesas e tentando acordo, como, por exemplo,
devolvendo produtos e equipamentos, trocando dÃvida por patrimônio e estoques,
reduzindo e parcelando outras existentes. Para um credor que percebe a
insolvência do devedor, é bem melhor receber o equipamento semi usado de volta,
parcelar uma dÃvida em 30 pagamentos ou mais, com fiador melhor ainda. Ou seja,
é melhor receber o possÃvel do que arriscar ter que ir a JuÃzo, gastar com
advogado e nada receber ou ter que esperar mais tempo ainda, devido a lentidão
do Judiciário.
O fisco (dÃvidas tributárias e previdenciárias) é
outro problema no horizonte. Todos sabemos que com reservas escassas, as
primeiras contas que o empresário deixa de pagar são as tributárias. Muitas
outras são consideradas prioritárias.
E colabora para essa conduta o fato do fisco (há o
federal, os estaduais e os municipais) ser bem mais demorado em cobrar seus
créditos. Esperam a dÃvida tributária acumular por meses seguidos para só então
iniciar os procedimentos de cobrança extrajudiciais, seguido de execuções
fiscais, que também poderão ficar por mais de década correndo nos fóruns,
sempre na busca de bens a penhorar.
Em certas situações o fisco permite parcelamentos,
às vezes por programas especiais (Refis…), que convém aproveitar,
principalmente se o empreendedor pretende no futuro próximo voltar a empreender
ou se tem bens a penhorar. Deve o empresário ter cuidado com aumentar ou
“rolar†a dÃvida, recusar acordos, pois o Judiciário pode ser lento, mas as
cobranças no mesmo são feitas com incidência de juros, correção, honorários de
advogado do credor, multas, custas judiciais. Isto sem contar que o devedor tem
que constituir e pagar o próprio advogado.
3. Recuperação judicial, falência,
insolvência.
A empresa devedora pode ainda apelar para o
processo de recuperação judicial, complexo e demorado, vantajoso quando tem
patrimônio, estoques, créditos, para negociar com credores, possibilidades de
recuperação. É recurso pouco usado por pequenas empresas e no setor de
serviços, mesmo por médias e grandes, pois nestas é raro existir estoques para
ir trabalhando e patrimônio a defender.
Poderá ainda pedir autofalência ou ter sua falência
requerida por terceiros e decretada pelo Juiz. É procedimento que convém
evitar, especialmente se não se têm livros contábeis em ordem, não se sabe explicar
onde foram parar recursos e patrimônio, como se deu o aumento da dÃvida.
Se para a pessoa jurÃdica existe falência, para
pessoa fÃsica existe o processo de insolvência. Pode se dar com sócios que,
após a desconsideração da pessoa jurÃdica, também não conseguem adimplir
dÃvidas. Nesse caso, ficam “insolventesâ€, perdem o crédito, a
disponibilidade do nome para novo empreendimento e por vários anos (formalmente
cinco após o encerramento da falência ou insolvência).
4. Cobranças de locadores e bancos
As cobranças de bancos e locadores submetem-se à s
situações acima, com poucas diferenciações. O locador pode cobrar os
alugueis atrasados, mas costuma antes ajuizar despejo por falta de pagamento e
nada pior para o bom nome de uma empresa. O locador costuma atrasar mais de
três meses de alugueres não pagos até decidir pela proposição da ação de
despejo, pois rotineiramente se tenta negociações e acordos. Mesmo após propor
a ação, o despejo só é decretado, em condições de normalidade do funcionamento
do fórum, mais de seis meses após, muito mais ainda se for discutir força
maior ou o locatário tiver alguma justificativa para não pagar (uma reforma
necessária há muito solicitada e não feita). No entanto, pode ser uma dÃvida
que irá ficando caro e se a empresa vai fechar mesmo, pode convir evitar esse
passivo acumulando-se e rescindir o contrato amigavelmente, parcelando a
dÃvida, evitando multa contratual. Reitere-se que com raras exceções, os
credores preferem receber valor menor ou a médio e longo prazo do que ficar
litigando.
Quanto aos bancos, os negócios mais rentáveis
do paÃs, já têm provisão de perdas, e perante situação difÃcil do devedor,
também tentará negociar por meses, oferecendo redução de valores e
parcelamentos de longo prazo, condições, tanto melhor se houver avalista.
Inexistindo propostas razoáveis do banco, convém a
empresa consultar advogados, pois os contratos bancários, não raro, têm
cláusulas abusivas, juros exorbitantes e inadmissÃveis na convivência
civilizada. Perante um processo judicial, o banco fica ainda mais propenso a
fazer acordos razoáveis. E quando percebe que o devedor não tem como pagar,
pode desistir de prosseguir com a ação e permitir seu arquivamento e a
prescrição intercorrente. O pior acontece quando ele vende esse “crédito podreâ€
a empresas especializadas em cobranças, estas insistirão muito mais no
recebimento.
5. Força maior e outros fundamentos
de resistência do devedor
Em sua defesa, nas dÃvidas acumuladas ou agravadas
pela crise do coronavÃrus, a empresa pode alegar descumprimento por motivo
justo, a quarentena, fuga de consumidores, acontecimentos responsáveis por
oneração excessiva das obrigações, imprevisibilidade, fato do prÃncipe, força
maior e etc. A crise é fato notório, o que pode ajudar a rescindir contratos
(sem pagamento de acréscimos e multas) e reduzir e/ou parcelar dÃvidas além de
evitar desconsideração da pessoa jurÃdica, tudo como explicado mais
suscintamente, inclusive com fundamentos jurÃdicos, na cartilha supra referida.
Adite-se que a negociação, em situação tão extremada, é uma obrigação do
credor.
6. Desconsideração da pessoa
jurÃdica
Como dito acima, um dos maiores riscos que corre o
empresário que fecha a empresa ou acumula dÃvidas sem pagar é a desconsideração
da pessoa jurÃdica. Acontece quando o credor, constatado que a empresa não tem
como pagar a dÃvida e nem bens para serem penhorados, pede que o juiz
desconsidere a empresa e dirija a execução contra o patrimônio de seus sócios.
A desconsideração só deve ocorrer caso haja alguma irregularidade na atividade
da empresa: dÃvidas excessivas ou suspeitas, livros contábeis incompletos,
sumiço de patrimônio, sonegação de informações, desvio de finalidade, confusão
patrimonial, atos ilÃcitos e irregulares, enfim, e contra o sócio ou sócios
responsáveis. Muitas vezes, o simples fechamento de portas sem informar a junta
comercial, de novo endereço, pode ser suficiente para a medida extrema.
E então a perseguição do credor continuará, contra
o sócio (ou sócios), pelo que possui, exceto o bem de famÃlia (onde reside a
famÃlia), muitas vezes pelo que têm ou vendeu quando já era visÃvel a
insolvência, por possÃveis aquisições no futuro, inclusive herança do pai, da
mãe ou quem quer seja. Se esse empresário formar nova empresa ou entrar de
sócio em alguma outra, o patrimônio ou quotas desta, correspondente a esse
empresário, serão suscetÃveis de penhora.
Por isso é importante que o empresário que resolve
fechar as portas em definitivo decida se não vale a pena já ir vendendo
patrimônio e pagando como pode os credores, e fazendo prova, que devem ser
guardadas por muitos anos, dessa sua conduta, da boa-fé e idoneidade no
encerramento de atividades, se possÃvel com o encerramento formal da empresa,
muito mais difÃcil, mas muito mais seguro. Muitas vezes o empresário não só não
desvia bens, como até pede empréstimos à famÃlia ou terceiros, vende seu
veÃculo ou o apartamento na praia, para pagar essas dÃvidas, mas não guarda
documentos comprovando sua conduta ética e responsável. E então, quando
requerida a desconsideração da pessoa jurÃdica, anos após, não sabe como provar
sua inocência.
7. Encerramento legal, venda da
empresa ou admissão de novo sócio
O mais seguro no encerramento das atividades é
fazê-lo também formalmente, junto aos órgãos públicos. Mais de 90% das pequenas
empresas que fecham as portas de fato no paÃs, não fazem isso, pois é
necessário dezenas de documentos. Não obstante, sendo possÃvel, é bem melhor,
pois o empresário fica reabilitado para novas ações no mercado.
Quem também prevê que terá que encerrar a empresa
pode procurar imediatamente compradores para ela. Evidente que se puder vender
tão bem que possa recuperar seu investimento e trabalho, até ter lucro, o
empresário deve fazê-lo. Mas em certas situações, na “bacia das almasâ€, findo o
gás e próximo do fechamento de fato, existindo um comprador idôneo (não só pelo
nome, mas também por possuir patrimônio, fiador, garantias), que se
responsabilize por todas as dÃvidas, convém repassar a empresa por preço
simbólico ou por preço a pagar daà a um ano, ou ainda para pagamento parcelado,
a perder de vista.
Se a empresa tiver bom nome, marcas, produtos, good
will, com novos sócios e injeção de capital poderá se reerguer. Nos
tempos atuais, os valores intangÃveis normalmente valem muito mais que valores
materiais, patrimoniais. Sempre o empresário deve pesquisar muito bem a quem
está vendendo, exigir alteração do contrato na junta, pois do contrário estará
apenas aumentando seus problemas em vez de ter soluções. A venda sem essa
certeza, tanto como nos demais casos, mas com muito mais necessidade, deve ser
precedida de contrato detalhado, formal, com orientação de advogado, um anexo
de bens, créditos, dÃvidas, estoques, faturamento médio (antes da crise) etc.,
e rápida alteração do contrato social na junta comercial, na data em que se
entrega a posse. De tal forma que o comprador não tenha como alegar estes ou
aquele detalhe não cumprido, para não cumprir as obrigações que assume.
A venda será tanto mais fácil quanto melhor
estiverem os livros, quanto menor for a dÃvida, mais conservado o patrimônio,
razoável a duração do contrato de locação e o valor do aluguel, o crédito na
praça, menor os riscos trabalhistas. E principalmente, o potencial da empresa
para fazer sucesso com nova administração.
O empresário poderá ainda optar por procurar por
sócio com capital, o que não é nada fácil em tempos difÃceis, poderá vender
algo e injetar recursos, todas fórmulas que devem ser bem pensadas, sem emoção
ou ilusões, sem se apegar por demais à empresa, sem trata-la como alguém da
famÃlia, pois esses momentos exigem frieza e racionalidade.
Por Cleinaldo
Simões Assessoria de Comunicação
Publicado em 18/06/2020, em: https://www.contabilidadenatv.com.br/2020/06/saiba-quais-sao-os-cuidados-para-fechamento-definitivo-de-uma-empresa/?utm_source=Mailerlite%20-%20not%C3%ADcias&utm_medium=email&utm_campaign=noticias_contabeis_da_tarde&utm_term=2020-06-21
Publicada por Morgana Paulette.